Pequenas frustrações cotidianas. Perder a hora, esquecer de responder uma mensagem, não entregar algo no prazo. Dos pequenos aos grandes acontecimentos — como ir mal no vestibular, não se sentir feliz na vida profissional ou viver o luto de um amor —, ninguém passa pela vida imune ao fracasso.
“Não ter fracassos na vida é deixar de assumir os riscos do crescimento”, explica Jacqueline Antony, psicóloga clínica e especialista em orientação vocacional. Depois de compreender que viver é estar vulnerável a ações externas incontroláveis, é importante saber o que é o fracasso, como ele impacta cada indivíduo e sua importância em nosso processo de transformação.
Derrotas são gatilhos para mudanças e ensinam lições valiosas. Falar sobre elas e externalizar os sentimentos e experiências são formas de curar as dores e desmistificar a idealização do sucesso, que, muitas vezes, é visto como atingir uma série de expectativas profissionais e pessoais.
Mas o que é sucesso para você?
Para saber lidar com o fracasso, talvez, o primeiro passo seja desmistificar a ideia que temos do que é o sucesso. Às vezes, nos condicionamos a ouvir apenas discursos de êxito e não nos preparamos para lidar com as nossas falhas.
Ninguém pensa que um grande líder ou case de sucesso teve momentos de fracasso porque quase não se fala sobre isso e, quando falado, é aliado a uma certa positividade tóxica como se nós só precisássemos de foco, força e fé. Enquanto isso, ser vulnerável é visto como um problema.
Após viver o que ela chama de o “ano do vazio”, a jornalista Chames Oliveira, de 25 anos, criou a comunidade Perdidas Anônimas, no Instagram.
Recém-saída da faculdade, trabalhando como freelancer em horários incomuns e enfrentando dilemas pessoais, a maranhense conta que cada vez mais se distanciou de suas referências e deu de cara com a solidão.
“Tem momentos em que me sinto um fracasso. É muito difícil limpar da nossa mente tudo o que colocaram para gente como ideal de sucesso. A vida não é como a + b. Falavam que com boas notas na escola, uma boa faculdade e um trabalho legal seríamos felizes. Eu consegui todas essas coisas e não cheguei a nenhum desses lugares maravilhosos”, conta.
Para Antony, o sentimento do fracasso é visto como uma ausência de êxito que pode ser consciente ou inconsciente. “Uma coisa é idealizar algo de forma consciente, olhando para si, enxergando que existe uma dificuldade e se perguntando como lidar com isso. Esse é um sentimento que resulta de um fracasso específico, quando algo aconteceu e te deixou abalado.
Por outro lado, existe o fracasso que resulta do mundo louco em que vivemos. É a questão de um bem-estar e de idealizações que não chegam, aliados à busca inconsciente por fazer mais e poder ser melhor”, explica.
Ao criar o Perdidas Anônimas, Chames decidiu construir um ambiente em que mulheres pudessem se sentir acolhidas, encontrando uma rede de autocuidado e escuta ativa em meio às instabilidades do mundo profissional.
“Compartilhamos e questionamos sobre tudo, não temos métodos, mas sim ressignificação. É um processo de aceitar a mudança e as pequenas coisas que não podemos controlar”, completa.
Sinta a sua dor
Dar-se a oportunidade de viver e sentir o fracasso é o que Antony acredita ser o primeiro passo para se recuperar de um trauma. “É necessário sentir a sua dor e deixá-la doer. Entender o que está acontecendo com você e principalmente não entrar em negação. Quando se anula um sentimento, se perde totalmente o controle sobre quem você é”, explica.
Ao contrário do que muitas vezes é imposto na sociedade, sentir é um direito que passa por todos os sentimentos, da alegria à mágoa e ao luto. São nos momentos de perrengue e fraqueza que as maiores transformações acontecem. Sentir a dor também envolve se entender, ouvir e criar.
“Ao se deixar sentir, é aberta a porta dos desejos e necessidades. Permitir que o sentimento flua e começar a se ouvir e entender faz com que você passe a olhar para a situação total, o que acontece e com o que precisa lidar”, garante a psicóloga.
Há dois anos, o estudante Felipe Gondra, de 26 anos, viu o fim de um relacionamento se tornar uma das fases mais difíceis que ele já viveu. E logo veio o sentimento de culpa.
“Com o término, me senti responsável por decisões que não eram minhas e me culpei muito. Pedi desculpas por coisas que não fiz e demorei dois anos para conseguir colocar os sentimentos no lugar. Foi gradual entender que o fracasso do relacionamento não era o meu fim. Precisei me reencontrar comigo e com as minhas raízes. Hoje guardo boas lembranças e valorizo todo o processo que vivi. Me fez crescer muito”, conta Gondra.
Fale sobre o assunto
Antony explica que sentir a dor e entendê-la é um fator determinante para encontrar a criatividade necessária para se reinventar. Foi o que aconteceu com a empreendedora e escritora Patricia Merck, de 33 anos.
Após viver intensas mudanças profissionais e pessoais, Merck entendeu que era hora de abrir mão de um casamento que não dava certo, organizar a mente e as contas, e pedir demissão. No começo, foi muito julgada pelas pessoas a sua volta, que consideravam abandonar uma carreira estável uma grande loucura.
Mas, para ela, nada ia bem. “O sentimento de fracasso era muito presente em mim. Até aceitar que tinha me tornado alguém que eu não admirava, sofri muito. Não foi fácil trabalhar tanto para chegar em um lugar tão vazio. Reconhecer e aceitar a verdade doeu”, conta.
O gatilho para mudar de vida veio logo depois de entender suas necessidades. E foi daí que também surgiu o desejo de contar sua história para outras pessoas. Para Merck, a solução foi fazer um livro relato. O que começou com pequenos textos logo tomou forma e virou o Maybe a Book: Meu Caminho de Volta para Casa, lançado em 2019.
“Falar sobre o assunto é entender o que é o problema e colocá-lo para fora. Só assim se tem dimensões do que de fato é seu e o que são as deduções que criamos nos momentos de tristeza”, explicou a psicóloga Jacqueline Antony.
Trace um novo caminho
Cada pessoa tem uma personalidade e cada personalidade, um processo sempre em construção. Querer superar e viver o tempo do outro é simplesmente uma loucura. O processo de se entender, se ouvir, deixar doer e falar é também sobre respeitar a sua história, trajetória e caminhos.
Por isso o último passo para lidar com o fracasso é tentar traçar, aos poucos, no seu tempo, um novo destino. Nem sempre vai ser fácil, mas é sobre enxergar a situação com nitidez e definir qual é a melhor estratégia para lidar com ela.
O enfermeiro Thalles Santos, de 23 anos, sabe bem como é isso. Depois de passar 2 anos e meio tentando passar em um vestibular para medicina, ele só conseguiu a nota para cursar a sua segunda opção, que era enfermagem. Frustrado em um primeiro momento, logo começou a faculdade e postergou os planos de medicina para um futuro breve.
Afinal, não é porque algo ainda não deu certo que não pode acontecer. Você só precisa respeitar seu processo.
(Fonte: Huffpost Brasil)
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