Consumo desenfreado é um tema antigo, muito explorado e com uma literatura vasta, porém pouco contestado. Racionalizar o assunto não basta. É preciso mudar hábitos, observar o comportamento e agir de modo diferente, caso contrário, o resultado será sempre o aumento no consumo sem necessidade.
Visando essa experiência interna, tomei a decisão de ficar seis meses sem comprar. Aquele famoso desafio que adaptei às minhas regras para observar no íntimo cada reação ao longo dos meses.
Fui acompanhada no processo por duas terapeutas: Alessandra Cejkinski, psicanalista especializada em compulsão, e Camila Montandon, terapeuta especializada em somato emocional, técnica que observa e trata as sensações corpóreas.
Toda grande decisão causa medo e metade de um ano, aparentemente, é muito tempo. No entanto, conforme os dias foram passando, nem percebi quando chegou ao fim. O mais difícil foi me comprometer com as regras do desafio, que eu mesma criei.
O intuito era me testar ao extremo, sem poder comprar absolutamente nada. Apenas alimentação, saúde e transporte não entraram na lista. Fui confrontada pelo radicalismo das minhas regras, ou seja, algumas pessoas ficaram incomodadas. Apenas vivenciando um estado de privação poderia sentir física e emocionalmente os sintomas parecidos com os de compulsão e abstinência.
E foi exatamente isso que aconteceu nos dois primeiros meses. Sonhava que estava comprando escondido, tive taquicardia em uma loja enquanto atendia uma cliente como personal shopper, suei frio e senti o vazio da privação.
Cada sintoma físico e emocional foi trabalhado de perto com as terapeutas, analisando e aprendendo como lidar com cada gatilho.
O primeiro passo foi interiorizar o não. Neste caso o NÃO era uma escolha, um compromisso comigo de seguir firme no desafio. “Quando você entende o não como perda, ele não é uma escolha, e quem perde, sofre. Se você decide abrir mão, o não passa a ser uma escolha. Além de ressignificar, você se sente mais segura diante das decisões”, explica Cejkinski.
Eu ganhei experiência e não perdi oportunidades nesses seis meses
O próximo desafio foi enfrentar bioquimicamente uma crise de abstinência. Assustador quando falamos assim, mas todas as pessoas sentem isso, porém não percebem – e quando percebem não admitem abertamente, já que esse padrão é atribuído perversamente aos considerados com patologia de compulsão. Tire a máscara e se olhe no espelho, isso também acontece com você.
Os sintomas são os clássicos e bem conhecidos: euforia ao ver uma loja cheia de coisas interessantes para consumir, tremedeira quando tem que tomar a decisão de compra e coração acelerado.
Isso acontece quando se faz uma dieta, com pessoas que tem restrições alimentares e em qualquer quadro de compulsão. Vamos lembrar que não se trata de “mulheres malucas às compras”. Vale para o universo masculino no descontrole do futebol, carros, motos e outros temas que despertam o desejo sem controle. Todos estão expostos a essas sensações. O que acontece é que nos acostumamos a elas desde crianças e, passado um tempo, já fazem parte de nossos hábitos e não temos consciência ou controle. “Quando você sente o que tem que sentir e deixa de sentir o que realmente não precisa, o corpo se organiza e as emoções entram em equilíbrio”, esclareceu Montandon durante uma das sessões.
Após me deparar com a auto sabotagem que enfrentei em um sonho onde comprava escondido, percebi a famosa frase de Freud: “o sonho é a realização de um desejo”. Fui enfrentar esse “dragão do desejo” e entender que muitos eram de necessidades que não existiam.
O último dia do desafio foi no meu aniversário. Não senti vontade de comprar. Não sinto nenhuma necessidade de ter além do que já possuo. Desejo sim. Ainda tenho vários descritos em uma lista. Nos meses após o término do desafio, fui procurar alguns itens da lista de desejo, mas para minha surpresa me percebi mais crítica, analítica e menos impulsiva. Perdi aquele véu do encanto e embriaguez do consumo desenfreado. Investi na confiança e em uma vida financeira saudável, onde o NÃO é tão importante quanto comprar com consciência.
Os seis meses passaram rápido. Não morri. Não comprei. Não perdi. Apenas aprendi muito e algo de valioso aconteceu: presenciei a morte simbólica do consumismo.
(Fonte: Finanças Femininas)
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