Cássia D´Aquino trabalha há 20 anos ensinando crianças e adolescentes a lidarem com as finanças e acredita que a educação financeira pode começar a ser ensinada a partir dos 4 meses de idade. É nessa fase que o bebê se torna capaz de começar a esperar. “Estimular essa capacidade da criança esperar nada mais é do que incentivar a sua capacidade de poupar no futuro”.
A educadora financeira, autora de artigos e livros sobre o tema, explica que tornar essa lição um hábito pode impedir que o filho detone no cheque especial e no cartão de crédito no futuro. “Aos poucos, ele precisa se sentir confiante e entender a necessidade da espera. Isso não significa deixar o bebê chorando no quarto por horas, mas alguns minutos, que vão aumentando com o tempo”.
Portanto, dar mesada não é, nem de longe, a única forma de se ensinar os filhos sobre o dinheiro. “A mesada, aliás, pode ser bem perigosa caso não seja oferecida da forma certa”, diz Cássia.
A especialista acredita que a educação financeira da criança deve se basear em saber gastar, ganhar e poupar. No item de como ganhar dinheiro, o principal é não é passar a mensagem de como ser rico, mas sim, de como ter uma vida produtiva e prazerosa. “O objetivo é fazer com que o filho busque uma vida que atenda aos seus desejos e talentos”.
Antes de tudo, quebre o tabu
Os pais que querem que os filhos lidem bem com o dinheiro devem, primeiramente, se entender sobre o assunto. “Os casais sempre buscam que o filho seja realizado profissionalmente, feliz, uma pessoa do bem. Idealizam ml coisas, mas nunca pensam sobre como ele irá lidar com o dinheiro. Há um tabu, ou uma suposta concordância dos pais sobre o tema que, na verdade, não existe”, diz Cássia.
A educadora afirma que o casal geralmente já não lida de forma igual com o dinheiro. Basta olhar as causas de separação: para metade dos casais, o dinheiro é a causa direta do divórcio e, para 80%, a causa indireta. “Imagina se cada um transmitir um pensamento diferente para o filho? Como a gente busca considerar o que os pais fazem como a forma correta, será muito difícil para ele lidar com o tema. Por isso, é necessário criar um campo neutro, no qual as regras sejam consistentes e repetidas. Toda boa educação exige isso”.
A educadora lembra de algo primordial: não vale ir desistindo das lições caso a criança não as aceite, a princípio. “A regra que vale hoje, mas não amanhã dificilmente vai surtir efeito”.
Veja abaixo as 6 dicas que Cássia considera essenciais para ensinar seu filho a lidar bem com o dinheiro:
1) Resista à tentação do “Mamãe, compra!”
Aos 2 ano e meio, Cássia relata que a criança pode começar a entender que é possível comprar coisas gostosas e divertidas com o dinheiro. “A forma como os pais vão lidar com isso pode ser perigosa. Como o afeto do filho é abundante e incomparável nessa idade, os pais tendem a retribuí-lo atendendo a todos os desejos da criança. Mas o problema é que esses desejos irão se repetir amanhã e depois de amanhã”.
Ser capaz de adiar um desejo é nada mais do que estimular a capacidade da criança em poupar no futuro. “Ela adia o desejo porque compreende que terá um benefício lá na frente, em datas comemorativas, por exemplo. Mostrar que o tempo passa e se conquista coisas é ensinar que vale a pena esperar”.
Cássia vai além: ela acredita que dizer não ao filho desde cedo quando se trata de consumo permita que a criança sinta desejo pelas coisas. “Sem esse desejo, damos espaço a pensamentos suicidas e ao mundo das drogas mais tarde. Os pais podem errar em tudo, menos nesse quesito: não podem sequestrar os desejos dos filhos, impedindo-os de esperar pelo Natal, pela Páscoa ou outra data para ganhar um presente. Isso não é apenas uma forma de educar para o consumo, mas de incentivar o desejo de se manter vivo, pois há coisas e objetivos pelos quais esperar. Afinal, civilizar é frustrar”.
2) Aproveite o “instinto do trabalho”
Também é bem cedo, entre um ano e meio e três anos e meio, que a criança passa pela fase do “instinto do trabalho, diz a educadora. “A criança sai arrumando tudo pela casa, fica com vontade de trabalhar”.
Essa fase é importante para a educação financeira porque, dependendo de como os pais lidam com esse instinto, essa marca pode reaparecer na adolescência. “O jovem pode criar hábitos nessa época que o tornará mais propenso a colaborar nas coisas da casa mais tarde”.
A dica é simples: deixar a criança ajudar. “Nessa fase, ela vai encarar qualquer tarefa como uma grande missão e terá foco total em executá-la. Afinal, é um adulto que está confiando nela. Não importa que ela quebre um copo ao tentar lavar a louça. O que é mais importante agora: sujar o chão ou deixar que o filho confie que é capaz de fazer algo, tenha autonomia e consiga resolver problemas no longo prazo?”.
Caso os pais neguem a ajuda, Cássia aponta que corre-se o risco de que o filho não queira fazer nada também na adolescência. “Impedi-los de ajudar é impedir que descubram que há prazer no trabalho, o que será essencial para ele ganhar dinheiro no futuro”.
3) Mostre o passo a passo antes da solução
Os pais costumam, seja por comodidade ou por não suportar ver o filho sofrer, resolver rapidamente qualquer problema enfrentado por ele. Ou, ainda, solucionar qualquer problema relacionado à casa ou à família de modo que o filho não participe desse processo, como forma de poupá-lo de preocupações.
Mas Cássia diz que os pais que não ensinam seus filhos a resolverem problemas cria “bebês eternos que não saem de casa nunca”. “A criança se acostuma a ver que o problema aparece e, pouco tempo depois, não existe mais. Perde-se a noção do processo. Amanhã o adolescente achará que poderá ser um presidente de uma empresa sem ter ideia do que é necessário para isso”.
Aproximando o problema do mundo das finanças, esse hábito dos pais pode levar o jovem a acreditar, por exemplo, que investir em bitcoins irá torna-lo rico rapidamente. “Ele não pára para pensar que esse investimento é um processo, embute risco”.
A melhor maneira de ensinar é mostrar o passo a passo de como os problemas são solucionados. E, quando a criança pedir ajuda, perguntar: “O que você pode fazer para resolver esse problema?”. “Quanto maior for a capacidade dela de resolver problemas, maior será a sua capacidade de ganhar dinheiro no futuro”.
4) Deixe a criança participar, mas não muito
Uma forma de ensinar a criança a lidar com o dinheiro é deixá-la contribuir aos poucos com tarefas que se relacionem com aquisições, como ajudar no planejamento das férias e nas compras do supermercado, diz Cássia.
É importante que essas atividades sejam limitadas, para não sobrecarregá-las. Cássia não indica mostrar as contas da casa para a criança como forma de indicar que os pais estão gastando muito e não há espaço para uma aquisição que o filho queira. “É muito cedo para isso. Cria nas crianças um sentimento de culpa”.
A partir dos três anos, por exemplo, Cássia explica que a criança pode ajudar a planejar as compras do supermercado. “Aproveite o “instinto do trabalho” e peça para ela verificar se é necessário comprar sabonetes e dê a ela uma missão antes de entrar no supermercado: comprar o item. Ela vai ficar tão focada nisso que não vai ter tempo para querer tudo o que vê. E mais importante: vai perceber que a compra exige planejamento”.
5) Dê a mesada do jeito certo
Uma forma de incentivar a criança a gastar do jeito certo é com a clássica mesada. Mas a educadora financeira acredita que suas regras devem ser seguidas à risca. “Não há espaço para os pais se enrolarem, não dar o dinheiro da criança conforme combinado e dar depois o valor acumulado”.
Também não vale, segundo a especialista, usar a mesada como “suporte” para a educação do filho em outras áreas. “Os pais devem resistir a pensamentos como “rabiscou a parede agora vai ficar sem mesada”. A mesada é para ajudá-lo a lidar com o dinheiro. E ponto. Não deve servir para “comprar” a educação do filho”.
A educadora indica dar a “semanada” a partir dos seis até os 11 anos, quando o valor deverá virar mesada. “Antes dos 11 anos a criança não consegue gerenciar o valor durante todo o mês”.
É importante criar regras para o uso do dinheiro, que devem ser comunicadas logo de início, mas deixar algum espaço para que a criança possa errar e aprender. “Os pais podem dizer, por exemplo, que ela pode comprar balas, mas apenas aos finais de semana”, diz Cássia.
6) Não faça tudo para ser amado por um adolescente
Cássia diz que, quando o amor do filho diminui na adolescência, os pais passam verdadeiros vexames. “É a fase do bater o pé na escola porque o filho aprontou alguma”.
A educadora dá um conselho: os pais não devem buscar despertar neles um sentimento antigo, que ofereciam quando criança, mas, sim, começar a tratá-los como adulto. “É assim que ele quer ser tratado. Ele diz sempre o contrário buscando reassegurar o que sempre ouviu dos pais. Portanto, é necessário passar confiança no que se fala”.
Cássia vai direto ao ponto. “O amor da criança não volta mais. Se voltar, é de maneira diferente. Então, os pais não devem fazer tudo o que um adolescente com o objetivo de continuar a ser amado como antes”.
(Fonte: Exame)
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